Som e Silêncio - 2
FÍSICA E METAFÍSICA DO SOM: Sinal de Onda, Som e Silêncio. (WISNIK, 1999, p. 17)

Sabemos que o som é onda, que os corpos vibram, que essa vibração se transmite para a atmosfera sob a forma de uma propagação ondulatória, que o nosso ouvido é capaz de captá-la e que o cérebro a interpreta, dando-lhe configurações e sentido.

Representar o som como uma onda significa que ele ocorre no tempo sob a forma de uma periodicidade, ou seja, uma ocorrência repetida dentro de uma certa frequência.



Senoide (também chamada de onda seno, onda senoidal, sinusoide ou onda sinusoidal).

Complexidade da Onda Sonora (WISNIK, 1999, p. 23)

Quando dizemos que o sinal sonoro corresponde a uma onda que fazemos representar por uma senoide, estamos procedendo a uma redução simplificadora, a uma abstração que se faz necessária para a apresentação mais elementar de um fundamento. Isso porque cada som concreto corresponde na realidade não a uma onda pura, mas a um feixe de onda, uma superposição intrincada de frequências de comprimento desigual. Os sinais sonoros não são na verdade simples e unidimensionais, mas complexos e sobrepostos.

Quase nunca (praticamente só em condições laboratoriais, a partir de sintetizadores eletrônicos) nos deparamos com um som que seja efetivamente o produto de uma ondulação pura e simples (ou, como se diz, uma onda sinusoidal). Um som angelical desse tipo só se produz em sintetizador e se aparenta com o registro mais agudo de uma flauta transversal. Se o mundo fosse sinusoidal, um grande conjunto de ondas pulsando na mesma frequência, não haveria música.

O som é o produto de uma sequência rapidíssima (e geralmente imperceptível) de impulsos e repousos, de impulsos (que se representam pela ascensão da onda) e de quedas cíclicas desses impulsos, seguidas de sua reiteração. A onda sonora, vista como um microcosmo, contém sempre a partida e a contrapartida do movimento, num campo praticamente sincrônico (já que o ataque e o refluxo sucessivos da onda são a própria densificação de um certo padrão do movimento, que se dá a ouvir através das camadas de ar). Não é a matéria do ar que caminha levando o som, mas sim um sinal de movimento que passa através da matéria, modificando-a e inscrevendo nela, de forma fugaz, o seu desenho.

O som é, assim, o movimento em sua complementaridade, inscrita na sua forma oscilatória. Essa forma permite a muitas culturas pensá-lo como modelo de uma essência universal que seria regida pelo movimento permanente. O círculo do Tao, por exemplo, que contém o ímpeto yang e o repouso yin, é um recorte da mesma onda que costumamos tomar, analogicamente, como representação do som.
Em outros termos (agora mais digital do que analógico), pode-se dizer que a onda sonora é formada de um sinal que se apresenta e de uma ausência que pontua desde dentro, ou desde sempre, a apresentação do sinal. (O tímpano auditivo registra essa oscilação como uma série de compressões e descompressões.) Sem este lapso, o som não pode durar, nem sequer começar. Não há som sem pausa. O tímpano auditivo entraria em espasmo. O som é presença e ausência, e está, por menos que isso apareça, permeado de silêncio. Há tantos ou mais silêncios quanto sons no som, e por isso que se pode dizer, com John Cage, que nenhum som teme o silêncio que o extingue. Mas também, de maneira reversa, há sempre som dentro do silêncio: mesmo quando não ouvimos os barulhos do mundo, fechados numa cabine à prova de som, ouvimos o barulhismo do nosso próprio corpo produtor/receptor de ruído (refiro-me à experiência de John Cage, que se tornou a seu modo um marco na música contemporânea, e que diz que, isolados experimentalmente de todo ruído externo, escutamos no mínimo o som grave de nossa pulsação sanguínea e o agudo do nosso sistema nervoso).

O mundo se apresenta suficientemente espaçado (quanto mais nos aproximamos de suas texturas mínimas) para estar sempre vazado de vazios, e concreto de sobra para nunca deixar de provocar barulho.

REFERÊNCIA
WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido. Uma outra história das músicas. 2ª ed. São Paulo, Companhia das Letras, 1999, 285 p.

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