Breve História da Acústica Musical : Século Dezessete (HENRIQUE, 2003, p. 20)
O século XVII, período em que são estabelecidos os fundamentos da filosofia e da ciência moderna, é considerado o "século dos gênios".
Galileu (1564-1642)
Galileu Galilei, filho de Vincenzo Galilei, nasceu em Pisa e estudou medicina na Universidade desta cidade. Ensinou em Pisa de 1589 a 1592, em Pádua de 1592 a 1610 e fixou-se mais tarde em Florença. A sua maior contribuição para a ciência foi no campo da mecânica, estudando nomeadamente a queda de corpos e o movimento de projéteis. Galileu empreendeu variadíssimas experiências relativas ao som, o que levou a que muitos o considerem fundador da acústica experimental. Publicou em 1638 o tratado vulgarmente conhecido por Duas Novas Ciências, em que expôs a dedução quantitativa das leis das cordas estabelecendo as relações entre frequência, comprimento, diâmetro, densidade e tensão. Abordou também a ressonância e a vibração por simpatia e mostrou que os intervalos musicais podiam ser caracterizados pelas relações de frequência dos sons. Apresentou uma explicação para a origem da consonância ainda hoje considerada atual. Galileu foi provavelmente o primeiro a estudar com rigor o movimento oscilatório. Para se acenderem os candelabros na catedral de Pisa, era necessário puxá-los para um balcão; de seguida, quando se soltavam, eles efetuavam durante algum tempo oscilações, tendo ficado surpreendido ao verificar que o tempo de cada oscilação era igual, mesmo quando a amplitude de oscilação diminuía (Bensos, 1996). Galileu, considerado habitualmente o pai da física moderna, foi contemporâneo de Monteverdi (1567-1643). Mersenne (1588-1648)
Marin Mersenne, sábio francês, foi matemático, filósofo e musicólogo. Estudou no Colégio dos Jesuítas em La Flèche, e na Sorbonne em Paris. Foi ordenado padre no Mosteiro da Ordem dos Mínimos em Paris. Mais tarde, ensinou filosofia e teologia no Mosteiro de Nevers. Entre 1640 e 1645 realizou três viagens a Itália. Manteve importante correspondência científica com Descartes e com outros filósofos e sábios do seu tempo. Organizou uma Academia da qual era o secretário. A sua obra mais importante é Harmonie Universelle (1636/7), publicada em dois grandes volumes. O segundo volume é um tratado onde Mersenne faz a descrição de todos os instrumentos existentes no século XVII. A sua obra é da maior importância para o estudo da história da música, dos instrumentos musicais e para o conhecimento de determinadas questões acústicas do século XVII.
O padre Mersenne, como era conhecido, explorou as propriedades das cordas e dos tubos sonoros. Relativamente às cordas, comparou o som de duas cordas fazendo variar o comprimento, a tensão ou o diâmetro, estabelecendo assim as leis que são conhecidas por leis de Mersenne. Relativamente aos tubos sonoros, observou vários fenômenos nos tubos de órgão, nomeadamente a influência da pressão do ar, do comprimento e da largura do tubo na altura dos sons. Através da medição do tempo de retorno de um eco, Mersenne encontrou para a velocidade do som um valor com um erro aproximado de 10% do valor real (Strong & Plitnik, 1992). Academias Científicas
Na segunda metade do século XVI e no século XVII, formaram-se várias academias ou sociedades científicas construídas por pessoas que se encontravam para discutir assuntos novos (Dampier, 1971). A primeira apareceu em 1560 em Nápoles: Accademia Secretorum Naturae e em 1603, em Roma, a Accademia die Lincie, a que pertenceu Galileu. Em 1651 surge em Florença a Accademia del Cimento fundada por Leonardo Medici. Como organização só sobreviveu dez anos, mas foi muito importante por ser a primeira sociedade formalmente organizada como vista à promoção da ciência física experimental (cimento significa experiência). Nesta academia realizaram-se entre outras, experiências sobre a propagação da luz e do som. A Accademia del Cimento foi fundada como um protesto direto contra a ciência dedutiva do quadrivium. Embora Galileu tenha morrido durante a formação da Accademia del Cimento, ele foi o seu padroeiro, pois a maioria dos seus membros foram seus discípulos. A Accademia dedicou-se à prova experimental de problemas que haviam sido formulados por Galileu e Torricelli (1608-1647). Um desses problemas era a determinação da velocidade do som, o que já tinha sido feito por Mersenne e Gassendi (1592-1655). Imbuídas do mesmo espírito científico, outras academias apareceram após a existência da Accademia del Cimento: a Royal Society of London em 1662, a Académie des Sciences de Paris em 1666 fundada por Luís XIV, e a Collegium Curiosum sive Experimentale na Universidade alemã de Altdorf (Ornstein, 1938). As academias tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da ciência, quer por constituírem lugares privilegiados de discussão científica, quer por divulgarem a investigação dos seus membros, quer pelas publicações periódicas que surgiram no seu seio. O mais antigo periódico científico independente parece ter sido o Journal des Savants, cuja primeira edição surgiu em Paris em 1665. Segue-se, no mesmo ano, Philosophical Transactions of the Royal Society (Dampier, 1971). Na medição da velocidade do som, os observadores Borrelli (1608-1679) e Viviani (1622- 1703) determinaram o tempo entre o “flash” de um pequeno canhão e a recepção do som a uma distância pouco superior e uma milha. O tempo foi medido com um pêndulo simples e o valor encontrado foi de 350 ms-1. Propagação do Som
A questão da necessidade da existência de um meio material para a propagação do som originou grande número de experiências. Essas experiências consistiam na utilização de uma campainha ou outro dispositivo como fonte sonora encerrado numa câmara ou reservatório onde se procurava extrair o ar, tentando fazer o vácuo. Apesar de haver muitas opiniões divergentes, o primeiro a realizar essa experiência parece ter sido Gianfrancesco Sagredo em 1615. Sagredo suspendeu uma campainha num balão de vidro, o qual foi muito aquecido. O recipiente foi fechado quando estava ainda muito quente. Pensa-se que este método reduziria a pressão do ar a aproximadamente um terço, situação que não é suficiente para tirar conclusões convincentes. No entanto, Sagredo explica numa carta enviada a Galileu Galilei em 1615 que, agitando o balão, a campainha não produzia som (Beyer, 1998). Em 1660, também Robert Boyle demonstrou a necessidade da existência de um meio material para a transmissão do som realizando a célebre experiência do balão de vidro. Uma das experiências acústicas mais vezes repetida é a determinação da velocidade de propagação do som. Issac Newton (1642-1727), unicamente a partir de cálculos teóricos, encontrou para a velocidade do som um valor próximo do real. Na sua obra Opticks (1676) defende que existe um paralelismo entre as cores fundamentais do espectro e as notas de uma escala. Robert Hooke (1635-1703) teria feito a primeira medição direta da frequência. Em 1681 demonstrou uma maneira de produzir sons musicais através de rodas metálicas dentadas. Trata-se da roda de Hooke, normalmente conhecida por roda de Savart. A partir de várias rodas dentadas com número de dentes adequados, podiam-se produzir intervalos musicais, desde que as rodas tivessem dentes na proporção, por exemplo, de 2:1, 4:3 etc. O matemático John Wallis (1616-1703) publicou no séc.XVII um relatório das suas experiências em que mostrou que os harmônicos de uma corda vibrante estão relacionados com a existência de pontos nodais nessa mesma corda. Robert Boyle (1627-1691), filósofo e cientista naturalista britânico, é conhecido essencialmente pela chamada lei dos gases perfeitos. Escreveu sobre o ar como meio para a transmissão do som no livro: New Experiments, Physico-Mechanical, Touching the Spring of the Air. Também se debruçou sobre a ausência de som no vácuo: aperfeiçoou bastante a bomba de ar de Von Guericke (1602-1686), usando-a para repetir a experiência da campainha no vácuo. Partindo da crítica das experiências feitas por Kircher e pela Accademia del Cimento, utilizou um dispositivo bastante diferente. Kircher (1602-1680)
Athanasius Kircher, erudito alemão, estudou num seminário jesuíta e foi ordenado padre em 1618. Em seguida estudou filosofia e teologia, que viria a ensinar mais tarde na Universidade de Würzburg. Depois de passar por Lyon e Avignon, em 1633 fixa-se em Roma onde ensina no Collegio Romano, ficando nesta cidade até à sua morte. Foi também professos de matemática e física. Publicou: Edipus Aegiptiacus, o tratado De Arte Magnetica e a sua obra mais importante, o compêndio em latim Musurgia Universalis (1650). Nesta obra fez uma útil descrição de instrumentos musicais antigos, havendo também referências a instrumentos mecânicos com sinos, órgão e cordas. Kircher refere-se a um cylindrum phonotactica – cilindro rotativo, que parece ser semelhante ao sistema usado mais tarde para fazer as caixas de música. Ilustra e explica o funcionamento da harpa eólia, de que se pensa ser ele o inventor; ilustra e explica também os ecos múltiplos, referindo nomeadamente um episódio em que um som ecoava trinta vezes. Kircher faz uma descrição da campainha no vácuo em 1650, usando o recentemente descoberto tubo de vácuo de Torricelli. Faz uma descrição da anatomia do ouvido e do aparelho vocal e descreve extensivamente os instrumentos conhecidos no século XVII. A parte mais importante de Mussurgia Universalis parece ser a que aborda a acústica arquitetural, e foi republicada em 1673 como um tratado separado, sob o título Phonurgia Nova. Nela, Kircher mostra como o desenho geométrico de paredes e tetos ajuda a compreender a propagação do som. Analisa também os efeitos de focalização do som numa sala através de diagramas. Sauveur (1653-1716)
Joseph Sauveur, matemático e físico francês, nasceu em La Flèche em 1653. Escreveu um artigo em 1701, que se tornou famoso: Système General Des Sons, & Son Application à Tous les Systèmes & à Tous les Instruments de Musique. Sauveur tinha como principal objetivo a compreensão da música através da acústica, e é considerado o criador da acústica musical (Lindsay, 1973). Sauveur é o primeiro a apresentar o conceito físico de harmónico a partir da vibração de uma corda tensa, e de som fundamental. Introduziu também a noção de nodo e de ventre para caracterizar as ondas estacionárias nas cordas, e observou que uma corda pode vibrar com vários dos seus harmónicos simultaneamente. Verificou que dois tubos de órgão de comprimentos ligeiramente diferentes, quando ouvidos ao mesmo tempo, produzem batimentos (Lindsay, 1966). As suas observações serviram de confirmação à teoria de Rameau (1683-1764) sobre a ressonância do Corpo Sonoro, fundamento de toda a teoria harmónica exposta no célebre Traité d’Harmonie (1722). Após ter conhecido os estudos de Sauveur, Rameau publicou em 1736 o Nouveau Système de Musique Théorique, que é basicamente um reforço das suas concepções anteriores, mas agora fundamentadas não só nas regras matemáticas e na divisão da corda (que herdara do conceito de sanario de Zarlino), mas também nas experiências de Sauveur, que mostam que nos harmónicos naturais de um som estão contidos os intervalos fundamentais da harmonia – 8ª, 5ª, 4ª e 3ª. REFERÊNCIA
HENRIQUE, Luis L. Acústica musical. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 2003. 1130 p.
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